Artigo publicado no jornal Correio Braziliense de 06/03/2020.
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Acabei de ler o livro Os Engenheiros do Caos, de Giuliano Da Empoli. Nele, o autor analisa um dos aspectos mais relevantes para explicar o crescimento eleitoral do nacional populismo: a utilização dos dados disponíveis nas redes sociais para alavancar candidaturas e movimentos ao redor do mundo.
A abordagem é original porque nos traz informações sobre a atuação nos bastidores dos principais estrategistas que identificaram nos algoritmos de plataformas como Facebook e Google maneiras de fazer com que determinadas ideias e propostas passassem a ganhar visibilidade e escalabilidade aos milhões.
Ele nos conta a trajetória de figuras hoje bastante conhecidas, como Steve Bannon e Dominic Cummings, mas também de alguns nomes menos badalados por aqui como os italianos Gianroberto Casaleggio e Davide Casaleggio (pai e filho), os norte-americanos Andrew Breitbart e Arthur Finkelstein, além do inglês Milo Yiannopoulos.
Cada um deles teve papel-chave em campanhas eleitorais vitoriosas nos últimos anos. Bannon, Breibart e Yiannopoulos na campanha de Trump; Cummings no Brexit e na última eleição parlamentar no Reino Unido com vitória esmagadora de Boris Johnson; os Casaleggio na criação e ascensão do Movimento 5 Estrelas de Beppe Grillo; e Finkelstein, desde 1996, na primeira eleição de Netanyahu em Israel, e, a partir de 2009, assessorando Viktor Orban na Hungria.
O autor consegue identificar aspectos comuns na forma de atuação desses estrategistas. Destaco três deles:
1) a percepção de que os algoritmos das redes sociais são baseados na cultura do engajamento e não da intermediação; ou seja, valem mais as publicações que têm maior número de curtidas e compartilhamentos, independentemente dos conteúdos;
2) a combinação de formas de comunicação que tanto exploram as emoções negativas das pessoas e grupos quanto são capazes de mostrar seu lado festivo e libertário por meio do escárnio; afinal, como pontua o autor, nada mais devastador para a autoridade que o impertinente, que a transforma em objeto do ridículo;
3) a compreensão de que, a partir da ação em massa nas redes sociais, a política deixa de ser centrípeta para ser centrífuga, substituindo a lógica “direita x esquerda” pela lógica “povo x elites”; ou seja, a ideia é trabalhar os extremos a partir da revolta e da frustração latentes nas sociedades.
Tal situação veio para ficar e não adianta achar que é possível controlar as redes. Claro que a utilização de fake news precisa ser condenada e coibida, mas as razões para as vitórias eleitorais do nacional populismo ultrapassam essas manobras ilegais.
Os estrategistas aqui citados perceberam que o maior desejo das pessoas, os chamados cidadãos comuns, era voltar a ter controle de suas vidas, de suas cidades e de seus países.
Não à toa o slogan da campanha pró Brexit foi “take back control” (tomar o controle de volta). Ressalte-se que o apoio a ideias e propostas propagadas por esses candidatos vitoriosos não se restringe à chamada direita ou a simpatizantes do fascismo, pois atraiu boa parte do antigo eleitorado de partidos de esquerda.
Em uma analogia com a física, Da Empoli afirma que saímos da época da política newtoniana, baseada num mundo racional e controlável, para a política quântica onde “as interações são as propriedades mais importantes de cada objeto e diversas verdades contraditórias podem existir sem que uma invada a outra.”.
Nessa nova época, diz ele, “a realidade objetiva não existe; cada coisa se define, provisoriamente, em relação a uma outra e, sobretudo, cada observador determina sua própria realidade.”.
Concordando com o autor, ouso afirmar que na terra brasilis o autointitulado Centro político não tem e nem terá qualquer chance de se constituir em uma alternativa eleitoral competitiva se não mudar radicalmente sua interpretação sobre as características comportamentais da maioria das pessoas que encontraram nas redes sociais o palco privilegiado para expor seus sentimentos sem a necessidade de qualquer tipo de intermediação de partidos ou instituições.
Cabe às lideranças de Centro deixar de insistir na crítica à polarização e na sistemática conclamação à racionalidade, passando a atuar com foco em mensagens objetivas e diretas, fortemente marcadas pela emoção, buscando compreender e capturar o sentimento de frustração e revolta como insumo para construção e apresentação de suas ideias e propostas, permitindo a formação de grupos entusiasmados de milhões de apoiadores e apoiadoras.
Sem isso, a derrota é certa!
Artigo publicado no jornal Correio Braziliense de 06/03/2020.
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