No ano que se encerra assistimos à repetição de uma palavra: crise. E teve crise para todos os gostos. A política, com o presidente batendo de frente com o PSL até chegar à ruptura. A fiscal, com o deficit previdenciário assombrando estados e municípios. A financeira, com serviços públicos básicos sendo retardados ou suspensos, gerando o drama social que foi notícia nos jornais, rádios, TVs e redes sociais. É nesse cenário que ocorrerão as eleições de 2020. Como se comportarão os candidatos? E qual será a atitude do eleitorado?
Ao fazer essas perguntas, lembro-me de uma célebre frase do ex-ministro Pedro Malan: “No Brasil não é só o futuro que é incerto. O passado também é imprevisível”. Porém, na condição de estrategista, não posso fugir ao desafio de procurar respostas. De início, vamos ver alguns elementos de realidade. Segundo o TSE, em novembro deste ano, éramos 147.129.686 de eleitores distribuídos em 5.570 municípios, da seguinte forma: 1.617 cidades (29,03% do total) com menos de 5 mil eleitores; 1.464 (26,28%), entre 5 mil e 10 mil; 2.037 (36,57%), entre 10 mil e 50 mil; 255 (4,58%), entre 50 mil e 100 mil; 101 (1,81%), entre 100 mil e 200 mil; e em 96 (1,72%), mais de 200 mil eleitores.
Como se pode verificar, em 3.081 cidades (55,31% do total) temos menos de 10 mil eleitores, enquanto em 197 (3,53% do total) encontramos mais de 100 mil, sendo que apenas em 96 delas poderá haver segundo turno. Parece-me óbvio que o comportamento, tanto de quem se candidatará quanto do eleitorado, não será homogêneo. Afinal, são eleições municipais. Quanto ao primeiro grupo de cidades, ouso afirmar que os interesses locais prevalecerão sobre as questões nacionais, significando campanhas bastante paroquiais, nas quais uma das marcas será a atuação de parlamentares federais e estaduais buscando sedimentar apoios com vistas às reeleições em 2022. Não é à toa a verdadeira guerra pela liberação de emendas vivida em 2019. Já no grupo dos 197 municípios, a polarização que o país vive desde 2014 ainda será forte o suficiente para conduzir a discussão com vistas à formação de alianças nas disputas para as respectivas prefeituras. Já temos observado claras movimentações nesse sentido em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo.
Assim, quem olhar para as próximas eleições como uma prévia de 2022 pode se enganar redondamente. Estou convicto de que um número significativo de candidaturas vitoriosas para prefeituras e câmaras municipais não se comportará em 2022 com base nos resultados obtidos no próximo ano. Claro que haverá exceções, mas apenas servirão para confirmar a regra. Refiro-me, nesse caso, às candidaturas vinculadas visceralmente a um dos extremos da polarização.
E qual será a postura adotada pelas principais lideranças dos dois extremos, o bolsonarismo e o lulopetismo? Minha percepção é de que serão movimentos diametralmente opostos. No caso de Bolsonaro, deverá ser uma tática cautelosa, jogando na defesa na espera do melhor momento de ir ao ataque ou de sair no contra-ataque. Em outras palavras, não vai colocar em risco sua força eleitoral, sustentada nos 30% de aprovação nas pesquisas, lançando ou apoiando candidaturas por todo canto. Assim, só deverá declarar apoio às candidaturas com enorme chance de vitória para poder capitalizar. Até porque não interessa a ele ver estampado nas manchetes da mídia em 5 de outubro que foi derrotado em um número expressivo de cidades.
Já Lula trabalhará intensamente para tentar recuperar o maior número de prefeituras. Não custa lembrar que, em 2016, o PT só conseguiu a vitória em 256 municípios, uma redução de 374 em relação aos resultados de 2012. Assim, é de se esperar que seu partido lance candidaturas onde for possível, mesmo que isso não signifique possibilidade real de sucesso eleitoral. Trata-se de questão de sobrevivência, similar a times de futebol que abrem mão da organização tática no final de jogos em que precisam fazer gol a qualquer preço.
E o que esperar de quem não está alinhado aos dois extremos? Em 2020, muito pouco. Na verdade, as lideranças desses partidos e segmentos ainda não conseguiram se reposicionar depois do tsunami eleitoral que os atingiu em 2018. Resta saber se terão capacidade para construir uma força suficiente que lhes permita chegar competitivos a 2022. Mantido o ritmo atual, será muito difícil alcançarem tal objetivo. Por fim, cito verso de Cazuza na música cujo título peguei emprestado para meu artigo: “Eu vejo o futuro repetir o passado”.
Artigo publicado no jornal Correio Braziliense na edição de 27/12/2019.
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Artigo publicado no jornal Correio Braziliense na edição de 27/12/2019.
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