A DURA VIDA DE MARISCO

A DURA VIDA DE MARISCO

No dia 4 de outubro de 2020 teremos eleições para Prefeituras e Câmaras de Vereadores nos 5.570 municípios brasileiros e já começaram as movimentações sobre candidaturas e alianças partidárias. Olhando pelo retrovisor, constata-se que tal comportamento é parte da cultura político-eleitoral em nosso país e nada de novo deveria ser esperado nesse cenário. Só que não!

No ano passado muita gente foi surpreendida pelo tsunami que varreu os quatro cantos do Brasil com a eleição de nomes quase desconhecidos para governos estaduais, Assembleias Legislativas e Congresso Nacional, derrotando lideranças históricas representantes do establishment político desde a Nova República. É um consenso entre analistas que o clima de polarização presente na sociedade foi o principal responsável pela vitória de candidaturas que conseguiram se posicionar como legítimas representantes do sentimento “contra tudo que está aí”. Em complemento, esses resultados carregaram consigo uma perspectiva difusa expressa na combinação de uma visão liberal na economia com uma agenda conservadora no terreno dos costumes.

Após os primeiros seis meses desses novos mandatos, como está a percepção da população? Não me refiro ao que apontam as pesquisas de opinião até porque, mesmo sendo relevantes, seus resultados ainda não conseguem capturar as oscilações presentes nas redes sociais, onde as percepções mudam em velocidade quase instantânea. O exercício de análise a ser feito é saber se em 2020 teremos um comportamento do eleitorado semelhante ao de 2018. Em outras palavras, qual clima marcará a disputa e como se comportarão as forças políticas? Para responder a essa difícil pergunta, é necessário identificar algumas características que marcam os pleitos municipais.

A primeira delas é a proximidade de candidatos e candidatas com o eleitorado, particularmente nas cidades com população inferior a 50 mil habitantes. Segundo dados do IBGE, são 4.904 municípios enquadrados nesse perfil. Nessas localidades, em que pese a relativa influência do noticiário nacional, ainda prevalece o contato social direto, fortalecendo a percepção na população de que é melhor eleger uma pessoa conhecida capaz de fornecer ajuda e apoio na resolução de demandas individuais, familiares ou de vizinhança. Mesmo reconhecendo o crescimento das redes sociais, os relatos e compartilhamentos abordando temas da política nacional deverão ter menor influência na decisão de voto.  Assim, ouso afirmar que a onda renovadora será muito menor nessas cidades.

No outro extremo temos 30,9% da população brasileira concentrada em 45 municípios com mais de 500 mil habitantes, entre eles Brasília e mais 19 capitais. Aqui o jogo será pesado!

É natural que os dois extremos presentes na política nacional busquem reeditar e aprofundar a polarização, inclusive como forma de retroalimentação. De outro lado, os setores que não se identificam com o extremismo ainda estão desorientados, sem saber como se posicionar diante da nova agenda resultante das eleições do ano passado. Quando apoiam medidas do governo federal, as redes sociais tratam de colocar-lhes o rótulo de direitistas. Já quando criticam, são taxados de esquerdopatas. Dura a vida de marisco espremido entre o mar e o rochedo!

Para além das redes sociais, a população tende a resfriar o ambiente político, na linha de pensamento “apostei na mudança, agora vou dar um tempo pra ver o que acontece”. E aí que mora o perigo para quem é governo porque a paciência das pessoas é menor a cada dia, exigindo melhoria nas condições de vida em prazos muito curtos. Assim, vislumbro alguns cenários possíveis.

As forças não extremistas precisarão acrescentar à crítica da polarização uma demonstração de que aprenderam com a derrota, passando a interpretar de forma correta os anseios do eleitorado. O posicionamento frente às propostas de reformas da previdência e tributária e ao pacote anticrime será decisivo. E na área dos costumes precisará ser firme na defesa de valores civilizatórios, mas evitando cair na armadilha “nós x eles”.

Já o campo conservador é refém do desempenho das administrações do governo federal e dos estados do Sudeste. Se estiverem bem avaliadas, serão fiadoras de candidaturas com chances de vitória. Caso contrário, a autointitulada esquerda verá crescer suas chances, viabilizando alianças em torno de candidaturas únicas competitivas, mesmo que ainda enfrentem um forte sentimento antipetista que pesará na decisão do voto.

De fato, o Brasil não é para principiantes.

Orlando Thomé Cordeiro é consultor em estratégia

Artigo publicado no jornal Correio Braziliense em 12/07/2019

https://www.correiobraziliense.com.br/

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