O caixa eletrônico, Darwin e a educação

Nos anos 1980, os bancos brasileiros começaram a investir fortemente em automação. O primeiro caixa eletrônico do país foi instalado em Campinas, estado de São Paulo, pelo Banco Itaú, em 1983. O que hoje é habitual em nossa vida cotidiana, na época, a novidade foi um grande acontecimento. Em 14 de abril daquele ano, o banco publicou anúncio de página inteira nos jornais apresentando “a primeira agência bancária eletrônica funcionando dia e noite no Brasil”. A empolgação e o fascínio pela possibilidade de fazer operações de saques, depósitos e consultas de saldo por meio de uma máquina, sem a necessidade de funcionário de carne e osso em um guichê de banco, resultou em algumas situações engraçadas nos primeiros meses.

Logo no primeiro dia de funcionamento, um rapaz teria pedido ajuda a um funcionário para obter o saldo. Logo que surgiu no vídeo a frase “informe o número de sua conta corrente”, o cliente abaixou-se, encostou a boca no teclado e, baixinho, disse o número. Já em outro caso divulgado na imprensa, meses depois, uma mulher, após consultar os extratos, queria apagar a imagem do visor. Tentou todos os artifícios, abanou e até assoprou o painel.

Claro que, passados quase 40 anos, tais cenas soam como bizarrices inacreditáveis. Entretanto, como Darwin nos mostrou, na história da vida na Terra as espécies que sobrevivem não são as maiores ou mais fortes, mas as que se adaptam. As adaptações dos seres vivos podem ser nos planos fisiológico, anatômico ou comportamental.

Nestes tempos de pandemia, a população vem se deparando com novos desafios. Isolamento social, home office, videoconferências, cuidados excepcionais com a higiene pessoal, enfim, uma série de novidades comportamentais e profissionais que geram desconforto, mas vieram para ficar.

Uma das áreas mais afetadas tem sido a educação. Obrigados pelas contingências, professores têm buscado ser proativos e criativos no apoio a estudantes num processo de educação remota para o qual a sociedade não estava preparada. No caso específico das redes públicas, é forçoso reconhecer exemplos de gestores que têm buscado oferecer a docentes, alunos e famílias diversas formas de apoio em um cenário marcado por muitas e diversificadas dificuldades a serem superadas, merecendo destaque a urgente necessidade de organização do processo de flexibilização que precederá o retorno às atividades presenciais regulares, realidade com prazo ainda indefinido para ocorrer em grande parte das cidades.

Nesse sentido, é imprescindível oferecer a professores da rede pública um suporte metodológico composto por materiais e orientações voltados à preparação e aplicação de aulas nas modalidades a distância e semipresencial. Engana-se quem considera ser essa uma tarefa transitória que, após a chegada da vacina, poderemos retornar ao modelo praticado antes da pandemia.

Na verdade, esse é um desafio que gestores públicos, em especial de prefeitos que assumirão os mandatos em 1º de janeiro do próximo ano, precisarão encarar. Não é simples, mas é inevitável e, principalmente, inadiável. Para isso, terão que identificar se premissas necessárias à mudança estão presentes em seus municípios. Uma delas diz respeito à cobertura de internet. Professores e estudantes têm acesso garantido? Se a resposta for negativa, há que buscar recursos e parcerias que ajudem na solução. Nos tempos atuais, essa questão só perde em prioridade para o saneamento básico.

Porém, mesmo enquanto não se resolve a condição acima, é possível avançar na proposta aqui apresentada. De que forma? Investindo fortemente na formação de professores de maneira a suprimir uma deficiência oriunda dos cursos regulares de licenciatura nas instituições de ensino superior que, até o momento, têm preparado os futuros docentes para planejarem aulas e elaborarem materiais didáticos exclusivamente para as aulas presenciais.

Ou seja, na campanha eleitoral deste ano, é importante cobrar dos candidatos posicionamento claro quanto ao modelo de educação que pretendem estimular e implantar na cidade. Se apenas farão mais do mesmo, ou atuarão como lideranças indutoras de mudanças modernizadoras. Se acompanharão o coro de quem acha possível impedir a evolução, ou serão contemporâneos do futuro. Nessa hora é sempre útil ter em mente a lição de Darwin. Afinal, alguém tem visto um dinossauro passeando por aí?

Orlando Thomé Cordeiro é consultor em estratégia

Artigo publicado no jornal Correio Braziliense em 24/07/2020

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Saiu na mídia https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/07/22/interna_politica,874149/votacao-do-fundeb-representa-derrota-para-o-governo-bolsonaro.shtml

 

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