Afinal, para que servem as eleições?

O país tem sido bombardeado diariamente pelas notícias sobre a pandemia e suas terríveis consequências na vida das pessoas. O medo da contaminação, principal motivação para a maioria da população ficar em casa, vem acompanhado do despreparo do governo federal em conseguir acelerar o processo para colocar em prática as medidas de auxílio emergencial à população mais vulnerável.

Aliás, a postura do Ministério da Economia tem confirmado o que escrevi no meu último artigo: ficam agarrados a teses que, sem sombra de dúvida, são corretas em tempos de normalidade, quando deveriam adotar medidas radicais para injetar dinheiro diretamente na economia, montante na ordem de R$ 700 bilhões, equivalente a 10% do PIB. E, sem forte pressão da sociedade em defesa dessa mudança de orientação, o preço que pagaremos será um tempo muito além do necessário para sairmos da recessão.

Outro assunto que começa a ganhar corpo na mídia e nas redes sociais diz respeito às eleições previstas para outubro. O foco, como esperado, é se o pleito deve ou não ser adiado.

Há distintas opiniões que vão desde a defesa da manutenção do calendário eleitoral até a ideia de unificação com as eleições gerais em 2022 com a consequente prorrogação de mandatos nas prefeituras e câmaras municipais. Porém, o que tem chamado mais a minha atenção são as justificativas e comentários em torno do tema.

Particularmente nas redes sociais não é pequeno o número de pessoas que têm demonstrado pouco apreço ou mesmo quase desprezo pelos processos eleitorais. Entre as pessoas que fazem publicações defendendo a unificação das eleições a partir de 2022, surgem argumentos desde “os custos financeiros seriam reduzidos” até “seria muito melhor porque só precisaria sair de casa para votar uma vez a cada quatro anos”.

Procuro analisar tais posicionamentos como parte de um contexto histórico. É bom lembrarmos que, nas manifestações de 2013, teve início um sentimento de rejeição à política e aos políticos, cujo ápice ocorreu nas eleições de 2018.

Na ocasião, muita gente se elegeu para exercer mandatos nos Executivos e Legislativos apoiada nessa narrativa, apresentando-se nas campanhas como representantes da “nova política” e “contra tudo que está aí”.

É indiscutível que tal fenômeno não surgiu do nada, tendo sido uma resposta à sucessão de atos e fatos relacionados a um conjunto significativo de expressivas lideranças do establishment político que foram percebidos como desrespeito ao cidadão comum, especialmente no quesito privilégios.

É bastante popular a expressão originária da Idade Média “não jogue o bebê fora junto com a água suja”. Naquela época, os banhos eram realizados em grandes tinas e cada membro da família, começando pelos mais velhos, entrava sucessivamente no recipiente para se lavar.

Se considerarmos que as famílias eram compostas de um número grande de pessoas, dá para imaginar a sujeira da água quando chegava a hora de o bebê ser banhado.

Analogamente, as pessoas que no momento não têm valorizado os processos eleitorais acabam, consciente ou inconscientemente, por desconsiderar que eles são parte vital da democracia política.

Afinal, desde a Grécia antiga e ao longo dos milênios, a política foi o meio construído e continuamente aprimorado pela humanidade para encontrar formas de superar diferenças de opinião e acomodar interesses, viabilizando soluções consensuais ou com apoio majoritário das sociedades. Nesse sentido, a democracia política representativa é um de seus frutos mais longevos.

Já a ideia de realizar em um único pleito a eleição de representantes para câmaras municipais, prefeituras, assembleias legislativas, governos estaduais, Câmara Federal, Senado Federal e Presidência da República traz um risco seríssimo, qual seja, fazer que o debate fique concentrado nas questões nacionais, abafando qualquer possibilidade de discutir os temas de interesse essencialmente municipal.

Como é de conhecimento público, é nas cidades que vivemos. Evidentemente, é imprescindível ampliar a consciência social de modo a valorizar a participação da população nas discussões que ajudem a definir o futuro de seus municípios, sendo que a eleição exclusiva contribui para esse objetivo.

Assim, o debate sobre a eventual necessidade de adiamento das eleições em razão da pandemia deve ser feito respeitando e valorizando os princípios da democracia política representativa, rejeitando argumentos que joguem água na corrente que considera as eleições um estorvo na vida das pessoas.

Artigo publicado no jornal Correio Braziliense de 17/04/2020.

Veja também https://focanaestrategia.com/o-abre-alas-que-eu-quero-passar/

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