O ABACAXI, O TALENTO E A ISONOMIA

O ABACAXI, O TALENTO E A ISONOMIA

João trabalhava em uma empresa há muitos anos. Funcionário sério, dedicado, cumpridor de suas obrigações e já com seus 20 anos de casa. Um dia, ele procura o dono da empresa para fazer uma reclamação: “Tenho trabalhado durante estes 20 anos em sua empresa com toda a dedicação, só que me sinto um tanto injustiçado. O Juca, que está conosco há somente três anos, está ganhando mais do que eu.”.

O patrão escutou atentamente e disse: “João, foi muito bom você vir aqui. Antes de tocarmos nesse assunto, tenho um problema para resolver e gostaria da sua ajuda. Estou querendo dar frutas como sobremesa ao nosso pessoal. Aqui na esquina tem uma quitanda. Por favor, vá até lá e verifique se eles têm abacaxi.”.

João, meio sem jeito, saiu da sala e foi cumprir a missão. Em cinco minutos estava de volta e estabeleceu-se o seguinte diálogo:

Patrão: – E aí, João?

João: – Verifiquei como o senhor mandou.  O moço tem abacaxi.

Patrão: – E quanto custa?

João: – Isso eu não perguntei, não.

Patrão: – Eles têm quantidade suficiente para atender a todos os funcionários?

João: – Também não perguntei isso, não.

Patrão: – Há alguma outra fruta que possa substituir o abacaxi?

João: – Não sei, não…

O patrão pegou o telefone e mandou chamar o Juca. Deu a ele a mesma orientação que dera a João. Em oito minutos Juca voltou e informou: “Eles têm abacaxi, sim, e em quantidade suficiente para todo o nosso pessoal; e se o senhor preferir têm também laranja, banana e mamão. Abacaxi é vendido a R$1,50 cada; a banana e o mamão a R$1,00 o quilo; melão R$ 1,20 a unidade e a laranja a R$ 20,00 o cento, já descascado. Mas como eu disse que a compra seria em grande quantidade, eles darão um desconto de 15%. Aí aproveitei e já deixei reservado. Conforme o senhor decidir, volto lá e confirmo.”.

Agradecendo as informações, o patrão dispensou-o. Voltou-se para o João, que permanecia sentado ao lado, e perguntou-lhe: “João, o que foi mesmo que você estava me dizendo?”. João levantou-se e foi embora, sem nada mais a dizer.

Há mais de 10 anos utilizo essa pequena história em palestras e treinamentos que realizo e, certamente, ela continua absolutamente atual. A gestão de pessoas é um tema recorrente nas organizações e hoje vamos abordar uma de suas facetas mais delicadas: a isonomia.

No artigo 5º da Constituição está consagrado o princípio de que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade…”. Já o Artigo 7º, inciso XXX prevê “proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.”.

Já a Lei 13.467/2017, conhecida como a reforma trabalhista, manteve o caput do artigo 461 da CLT onde está determinado que “Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade.”.

Como podemos verificar, a legislação brasileira reflete um dos traços mais marcantes de nossa cultura como nação e sociedade, qual seja, garantir igualdade absoluta de tratamento salarial é muito mais importante do que reconhecer as diferenças de competências e habilidades que, necessariamente, existem entre as pessoas. Como consequência dessa visão, temos problemas conhecidos, tais como, a insatisfação decorrente de não reconhecimento profissional, o nivelamento por baixo de salários ofertados na iniciativa privada, o comprometimento da produtividade, entre outros.

E na administração pública? Bem, aí é que o problema se agrava porque a combinação de estabilidade desassociada da avaliação de produtividade e do talento individual acaba por produzir uma situação dramática. Em algumas carreiras, criam-se pisos salariais que, comparados ao mercado, estão mais próximos do teto. Já em outras, nivela-se a remuneração por baixo, como no caso dos profissionais de magistério da educação básica. Em muitos casos, acaba prevalecendo o dito popular “você finge que me paga e eu finjo que trabalho.”.

Posto isso, não enxergo outra saída: é mais do que urgente uma reforma administrativa ampla, geral e irrestrita que discuta esses e outros aspectos com a profundidade e transparência necessárias, mas, acima de tudo, com coragem para enfrentar o fisiologismo e o corporativismo, algumas das principais vertentes de nosso atraso como nação.

Orlando Thomé Cordeiro é consultor em estratégia        

Artigo publicado no jornal Correio Braziliense em 06/09/2019

https://www.correiobraziliense.com.br/

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