TEM GENTE COM FOME

Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Piiiiii

Estação de Caxias
de novo a dizer
de novo a correr
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Vigário Geral
Lucas
Cordovil
Brás de Pina
Penha Circular
Estação da Penha
Olaria
Ramos
Bom Sucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá
trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Tantas caras tristes
querendo chegar
em algum destino
em algum lugar

Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Só nas estações
quando vai parando
lentamente começa a dizer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer

Mas o freio de ar
todo autoritário
manda o trem calar
Psiuuuuuuuuuuu

O poema acima, cujo nome dá título ao artigo, é do poeta negro Solano Trindade. Composto em 1944, foi censurado no mesmo ano pela ditadura Vargas em plena vigência do Estado Novo. Já em 1975, novamente a censura agiu impedindo que o conjunto “Secos & Molhados” gravasse o poema musicado por João Ricardo, integrante do grupo. A música só pode ser finalmente gravada por Ney Matogrosso em 1979, no álbum “Seu Tipo”, sendo que no YouTube estão disponíveis diversas interpretações do nosso genial artista.

Passados 77 anos de sua criação, os versos do poeta continuam desgraçadamente atuais. Pesquisa realizada mês passado pelo Instituto Data Favela, em parceria com a Locomotiva – Pesquisa e Estratégia e a Central Única das Favelas (CUFA), apontou que 68% das famílias não tiveram dinheiro para comprar comida em pelo menos um dia nas duas semanas anteriores ao levantamento, sendo que 71% delas estão sobrevivendo com menos da metade da renda que obtinham antes da pandemia.

Além da falta de dinheiro para comprar comida, o levantamento aponta que o número de refeições diárias caiu de uma média de 2,4 em agosto de 2020 para 1,9 em fevereiro. A pesquisa ouviu 2.087 pessoas maiores de 16 anos de 76 favelas em todas as unidades da federação.

O drama é ainda maior por ser sabido que a maior parte das famílias nessas comunidades é chefiada exclusivamente por mulheres, com parte considerável delas trabalhando na informalidade. Quando se olha para a situação de pobreza e extrema pobreza, as famílias formadas por mulheres, sem cônjuges e com filhos menores de 14 anos correspondem a 20,6% do total da população que vive em extrema pobreza no país.

O quadro de fome que assola essa parcela da população só consegue ser minimizado com uma única medida: repasse de recursos financeiros diretamente para as pessoas. O auxílio emergencial durante o ano passado serviu para minimizar a situação, mas com seu fim o problema voltou a se agravar.

Neste ano, após a aprovação pelo Congresso Nacional, o auxílio emergencial será pago para cerca de 45,6 milhões de pessoas a partir de abril, estando limitado a uma pessoa por família e com valores variando entre R$ 150, R$ 250 ou R$ 375. Além da redução drástica nos valores em relação a 2020, estamos prestes a assistir a vergonhosa repetição da morosidade do governo federal na concretização da medida.

Por outro lado, mais uma vez o país está jogando fora a oportunidade de colocar na agenda prioritária formas de se colocar em prática um programa de renda básica universal. Não se pode mais adiar essa discussão! Claro que é preciso garantir o cumprimento das regras de equilíbrio fiscal, mas é um sofisma se apoiar nesse correto princípio da gestão pública como justificativa para se evitar tratar o tema.

Grandes empresários, que historicamente demonstravam reticências a esse tipo de medida, atualmente já se movimentam para articular junto ao parlamento e ao poder executivo a adoção de políticas públicas nessa direção. É o caso do Movimento Convergência Brasil que conta com a participação de Luiza Helena Trajano, presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza, e Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do Conselho de Administração do Grupo Gerdau, entre outros.

A pandemia, que já ceifou 300 mil vidas no Brasil, revelou para a sociedade a enorme parcela invisível da população. Tudo que não podemos permitir é que, superada a crise sanitária, eles voltem a ficar invisíveis. Renda Básica Universal Já!

P.S.: Acessem o site porumapunicaoexemplar.com e enviem mensagens pressionando parlamentares da Alesp pela cassação do deputado assediador Fernando Cury.

Artigo publicado no jornal Correio Braziliense em 26/03/2021 https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao

Ouça a música https://youtu.be/I5FUX3e089I

Leia também https://focanaestrategia.com/querelas-do-brasil/

 

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