O OLHO DO DONO ENGORDA O GADO?

O OLHO DO DONO ENGORDA O GADO?

Numa grande empresa trabalhava um gerente chamado Alex, profissional sério e tecnicamente preparado. Sua forma de trabalho incluía promover reuniões semanais com sua equipe para fazer um balanço do trabalho realizado e indicar os próximos passos. Terminadas as reuniões, cada integrante da equipe saía com suas atribuições, tarefas e responsabilidades definidas com vistas a garantir a respectiva execução. Entretanto, havia uma condição imposta por Alex: antes de colocar cada ação em andamento seria necessária sua prévia e pessoal aprovação.

Tanto nas organizações privadas quanto no setor público ainda é muito comum encontrarmos gestores e gestoras com esse perfil. Quem se apoia nessa premissa centralizadora costuma alegar que precisa saber antecipadamente tudo que sua equipe faz como garantia de que as decisões tomadas sejam efetivamente cumpridas. Diante disso, cabe a pergunta: será essa a maneira mais eficaz de gestão?

Quando se fala de excelência em gestão, um dos mantras é “o que não se mede não se gerencia”. Mas, afinal, o que deve ser medido e com que régua? Ao fazer essas escolhas é que surge certa confusão. Imaginemos que uma pessoa é designada responsável pela manutenção da ordem em uma fila indiana. Olhando o cenário de perto se percebe que seu desempenho é notável! Todo mundo segue andando, respeitando seu lugar.  Porém, quando se olha mais adiante, o destino dessa hipotética fila é um abismo. Ou seja, o processo de organização da fila está perfeito, mas o resultado é uma tragédia anunciada, exceto se o objetivo for provocar uma morte coletiva.

O sucesso na aplicação do mantra supracitado começa pela determinação dos resultados que se pretende obter, estabelecendo-se metas claras. Posto isso, qualquer avaliação de desempenho começa pela verificação dos resultados, deixando a avaliação dos processos para um segundo momento. Em outras palavras, se os resultados propostos não forem alcançados nos prazos estabelecidos, de nada adianta ter processos organizados e realizados de maneira adequada. Além disso, precisamos selecionar o instrumento de medida a ser utilizado. Para tanto, devem ser escolhidos os chamados indicadores. Importante observar que, em muitas ocasiões, eles são mal definidos e comprometem a medição. Vamos a um exemplo.

A Constituição Federal estabelece para os três níveis da administração pública que, no primeiro ano de mandato, o poder executivo tem a obrigação de elaborar e encaminhar para o respectivo poder legislativo o PPA – Plano Plurianual, prevendo o que se pretende realizar nos próximos quatro anos. A estrutura desses Planos apresenta um conjunto de programas e ações bem como metas e indicadores. Atuando como consultor junto a diversas Prefeituras na elaboração dos respectivos PPA, encontrei situações que podem ser classificadas como bizarras. Uma ação muito comum no PPA de diversos municípios prevê a melhoria e a conservação de infraestrutura de logradouros públicos. E qual indicador aparece como primeira sugestão para esta ação? Em geral, querem utilizar um percentual. E, de preferência, indicar 100% como meta de cumprimento para cada um dos quatro anos. Ora bolas, o que significa isso?! Cem por cento de que?! Ao seguir esse modelo, abrem mão da responsabilidade de indicar uma previsão de quantos logradouros serão atendidos, tornando impossível a avaliação dos resultados e eventuais ajustes no inicialmente planejado. Resta apenas verificar, ao longo do mandato, qual percentual do orçamento foi executado. Ou seja, mais uma vez estão medindo processo.

E aqui voltamos ao Alex, nosso gerente centralizador. Ele tem muita dificuldade com outro mantra da excelência em gestão: a delegação. O sucesso de inúmeras organizações indica ser imprescindível garantir autonomia às equipes para executar o que foi planejado, incentivando seu espírito realizador. Penso que é preferível ter nas equipes pessoas que, eventualmente, precisem ser freadas em suas iniciativas, em vez daquelas que, sistematicamente, necessitem ser empurradas. Mas, atenção: não se deve confundir delegar com delargar! Cabe a gestores e gestoras fazer o acompanhamento do desempenho de suas equipes, medindo os resultados. E, com base nessa verificação, fazer os sempre possíveis e necessários ajustes nos processos visando melhorar os resultados.

Por fim, fica uma reflexão em forma de pergunta: o país teria alcançado o desempenho espetacular no agronegócio caso as lideranças do segmento continuassem a achar que o gado só engorda com o olhar do dono?

Orlando Thomé Cordeiro é consultor em estratégia       

Artigo publicado no jornal Correio Braziliense em 18/10/2019

https://www.correiobraziliense.com.br/

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