Laranja de amostra

Você já ouviu falar nessa expressão? Segundo informações colhidas em diversas fontes, trata-se daquela fruta alojada à frente das demais na banca de feirantes. Ela é bonita, cheirosa e atrai a atenção da clientela, mas não corresponde à verdadeira condição das demais laranjas ali expostas. Com o tempo, foi adaptada para se referir a alguém que “empresta” o nome para ocultar a origem ou o destinatário de dinheiro ilícito. Já nos últimos anos, passou a ser utilizada também no mundo da política. Refiro-me às famosas “candidaturas laranja”.

Essa imagem passou a ganhar destaque na mídia em razão de iniciativas adotadas por algumas legendas partidárias que, diante da norma criada pela Lei 9.504/1997 de se reservar um mínimo de 30% de vagas nas chapas para as eleições legislativas para candidaturas femininas, passaram a solicitar às filiadas que emprestassem seus nomes para comporem as chapas apenas, como se diz no futebol, para cumprir tabela. E assim foram levando, mas em 2018 a legislação foi alterada passando a exigir que os partidos destinassem pelo menos 30% de seus recursos financeiros exclusivamente para as candidaturas femininas. Aí a porca começou a torcer o rabo!

Depois daquelas eleições, em diversas unidades da federação, choveram denúncias da existência de inúmeras candidatas laranja. Nesses casos, não se limitando ao preenchimento da chapa, mas sendo também acusadas de servirem para receber os recursos definidos como obrigatórios por lei e repassarem de volta para o respectivo partido ou algum outro candidato do sexo masculino. Foi um verdadeiro escândalo!

Diante dessa situação, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 17/9/2019, tomou uma decisão drástica e histórica ao julgar um caso relativo às eleições municipais de 2016 em Valença do Piauí (PI). No julgamento chegou-se à conclusão que houve fraude no preenchimento de cota por gênero, com cinco candidaturas de mulheres à Câmara de Vereadores da cidade se comprovando fictícias. E qual foi a novidade dessa decisão?

Todas as candidaturas da coligação formada para disputar as eleições à Câmara Municipal daquele município foram cassadas! Prevaleceu entendimento que, em se tratando de eleições proporcionais, era evidente que sem as candidaturas laranjas os partidos não teriam conseguido cumprir as exigências necessárias para participar do pleito e, portanto, toda a chapa acabou sendo beneficiada. Parece-me evidente que a intenção do TSE é tornar esse julgamento um paradigma para julgamentos futuros trazendo fortíssimos impactos já nas eleições de outubro próximo. E como os partidos vão se comportar?

Quando olhamos os dados relativos às eleições de 2016, tivemos, nos 5.570 municípios brasileiros, 463.405 pessoas concorrendo às vagas para as Câmaras de Vereadores, sendo 158.649 mulheres, um número equivalente a 34,24% do total. Ou seja, a cota foi cumprida e até ligeiramente superada, mas quando verificamos os resultados, os números desabam. Apenas 3.150 mulheres foram eleitas, enquanto 20.212 vagas foram preenchidas por homens. Isso significa que apenas 13,48% das vagas passaram a ser ocupadas por mulheres. Percentual semelhante foi alcançado nas eleições para a Câmara Federal em 2018, quando 77 deputadas foram eleitas, equivalente a 15% das cadeiras.

Dia 4 de abril termina o prazo de filiação para quem pretende se candidatar este ano. Os partidos já iniciaram a corrida para formar chapas com pré-candidaturas às Câmaras Municipais. Pela legislação, uma chapa pode ser composta no limite de 150% das vagas existentes. Por exemplo, se são 50 vagas em disputa, cada partido poderá lançar até 75 candidaturas, mas 25 delas precisarão ser ocupadas por mulheres. Se conseguirem apenas 21 mulheres, a chapa não poderá ultrapassar 70 nomes. Algumas vozes, escudadas em uma visão machista e com certo grau de misoginia, acham essa legislação um absurdo. Não à toa surgem projetos de lei querendo reduzir ou extinguir a cota. Felizmente não têm prosperado, em grande parte graças à importante atuação da bancada feminina suprapartidária na Câmara Federal.

É comum vermos dirigentes de partidos apresentarem justificativas como “as mulheres não se interessam pela política”. Ora, o desafio posto é os partidos assumirem o real compromisso com o aumento da participação feminina em suas fileiras, não apenas para serem candidatas, mas sendo estimuladas a integrar a vida partidária e a ocupar cargos em suas direções. Deixando de ser tratada como massa de manobra as mulheres vão aumentar seu engajamento. Chega de desculpas esfarrapadas!

Artigo publicado no jornal Correio Braziliense de 07/02/2020.

Ouça também https://focanaestrategia.com/nodetalhe-em-23-01-2020/

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