Eleições 2020: “O que vou ser quando crescer?”

Eleições 2020: “O que vou ser quando crescer?”

Nas últimas décadas do século passado, foram produzidas algumas peças publicitárias que se tornaram ícones da propaganda brasileira. Frases como “bonita camisa, Fernandinho” ou “a minha voz continua a mesma, mas os meus cabelos, quanta diferença” ou ainda “nossos japoneses são mais criativos que os dos outros” até hoje são imediatamente associadas aos produtos e marcas anunciadas.

No terreno musical, vimos na primeira metade do século 20  artistas como Ary Barroso, Noel Rosa, Pixinguinha, Villa-Lobos, entre outros, produzirem verdadeiras pérolas que povoam o imaginário popular até os dias atuais. Já o cinema nacional foi capaz de produzir filmes que marcaram época, tais como O Pagador de Promessas, Deus e O Diabo na Terra do Sol, Central do Brasil e Macunaíma, para citar apenas alguns exemplos.

Como se pode verificar, em termos culturais, o Brasil tem sido capaz de deixar legados em diversas áreas. Porém, quando se trata da administração pública, infelizmente, o cenário é diametralmente oposto. Afinal, o imediatismo é a marca registrada da gestão na quase totalidade dos municípios brasileiros. É possível mudar essa situação?

Bem, daqui a exatos 338 dias, haverá eleições nos 5.570 municípios brasileiros. Considerando nosso passado recente, é bastante provável assistirmos a um show de candidatos e candidatas fazendo promessas mirabolantes para um eleitorado que, em sua maioria, se encontra desiludido ou cético com a política. Ou seja, uma enorme chance de termos mais do mesmo. Entretanto, penso ser possível começarmos, como sociedade, a reverter essa tendência. O que pode ser feito?

A primeira etapa é as lideranças locais, em cada município, independentemente de terem ou não filiação partidária, começarem a conversar entre si, tendo por objetivo inicial levantar respostas para a seguinte pergunta: “Como quero que minha cidade esteja daqui a 4, 8 ,12 ou 16 anos?”. Observem que não se trata de adivinhação ou futurologia, mas uma singela adaptação daquela pergunta que todo mundo teve que responder um dia na vida: “O que você vai ser quando crescer?”. Afinal, cidades são verdadeiros organismos vivos que podem e devem refletir sobre seu futuro.

Esse estágio do trabalho deve ser concluído com a sistematização das respostas em um documento que servirá de base para sua continuidade. A título de exemplo, é interessante registrar que, na minha atividade como consultor, tive a oportunidade de atuar ajudando grupos de pessoas que buscavam essas respostas para os lugares em que viviam. E eram realidades bastante distintas. Houve casos em que o desejo era combinar progresso econômico com a manutenção da característica bucólica da cidade. Em outros, prevaleceu a visão de tornar o município um grande polo industrial na região em que se situava.

Passemos à segunda etapa, quando se apresentam as seguintes perguntas: “Em quanto tempo e o que precisa ser feito para que o futuro se torne realidade?”. Para se alcançar um bom resultado nessa fase, é fundamental um conhecimento prévio sobre a história do local e como se chegou à realidade atual. Em outras palavras, há que se fazer um pequeno estudo retrospectivo acerca dos erros e acertos praticados ao longo dos anos, mas sem qualquer preocupação em identificar culpados. Para isso, é imprescindível que os grupos de conversas sejam formados com a participação de pessoas de todas as faixas etárias e com diversificadas experiências de vida.

Concluídas as duas primeiras etapas, vem a parte mais importante, qual seja, transformar esses projetos em uma bandeira da sociedade local que seja capaz de influenciar tanto no período da disputa eleitoral quanto no posterior exercício do mandato da candidatura vitoriosa. Nos dias atuais, na grande maioria dos municípios brasileiros, existem condições de se construir essas articulações utilizando recursos como as redes sociais. Por outro lado, não custa lembrar que, desde 2017, movimentos cívicos como RenovaBR, Acredito e Agora! vêm realizando diversas ações com vistas a incentivar e apoiar de forma bastante objetiva tais iniciativas.

Algumas pessoas, talvez a maioria, ao terminarem de ler esse artigo, poderão chegar à conclusão de que se trata de uma utopia, mas eu, de meu lado, continuo convicto da necessidade de atuarmos como cidadãos e cidadãs para que as administrações públicas em nossos municípios mudem sua forma de gestão, passando a trabalhar com o objetivo de construir um futuro a ser percebido como um legado e um motivo de orgulho pelas gerações futuras.

Orlando Thomé Cordeiro é consultor em estratégia       

Artigo publicado no jornal Correio Braziliense em 01/11/2019

https://www.correiobraziliense.com.br/

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