CARNAVAL E ESGOTO

CARNAVAL E ESGOTO

No ano de 1995, na cidade do Rio de Janeiro, foi realizado o primeiro desfile do bloco carnavalesco “Que merda é essa?”. Passados 24 anos, no dia 23 do mês passado, o Instituto Trata Brasil divulgou o ranking do saneamento básico nas 100 maiores cidades brasileiras, feito com base nos dados oficiais do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) de 2017. E o que tem uma coisa a ver com a outra? Simples: o quadro revelado no ranking é tão aterrador que logo me veio à mente o nome do bloco.

Segundo o estudo “O país ainda apresenta quase 35 milhões de brasileiros sem acesso à água tratada, quase 100 milhões de brasileiros sem coleta de esgotos (47,6% da população) e apenas 46% dos esgotos gerados no país são tratados. Isso significa poluição e doenças ininterruptas em todo o país.”.

Felizmente, poucos dias depois, o país recebeu uma ótima notícia. No início de agosto o governo federal enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei que altera o marco regulatório do setor, permitindo uma maior competição na prestação desse serviço essencial. Esse projeto de lei resgata a essência da MP 868, editada ainda no governo Temer, mas que caiu sem ter sido votada por pressão política de boa parte de governadores e de empresas estatais estaduais. Diga-se de passagem que muitas destas empresas têm se revelado como locais em que se combina, de forma perversa, ineficiência e corrupção. A CEDAE, no estado do Rio de Janeiro, é um exemplo clássico, ao frequentar quase diariamente o noticiário com matérias que comprovam minha afirmação.

Em gestão estratégica há uma máxima: é loucura continuar fazendo sempre as mesmas coisas e esperar alcançar resultados diferentes. Ora, os números do saneamento básico no Brasil não deixam dúvidas. Os serviços prestados, na imensa maioria dos municípios, são dignos do nome do bloco que cito no início do artigo! Por que, então, não se muda isso? Bem, para tudo tem uma explicação.

Contra a medida modernizadora apresentada pelo governo em seu projeto, estamos vendo se aliarem as vozes mais díspares, defendendo esse modelo fracassado que persiste há décadas. De um lado, representantes de setores ideologicamente comprometidos com uma visão estatizante, e, de outro, quem se move por interesses, digamos assim, pragmáticos. Ambos os lados tem a cara de pau de afirmar que essas estatais estaduais são patrimônio do povo brasileiro. Por isso, não causou estranheza quando o Senado Federal, tão logo caducou a referida MP 868, tratou de aprovar, em regime de urgência e por votação simbólica, um projeto que praticamente perpetua a ineficácia, impedindo a substituição das atuais estatais estaduais por período equivalente à duração dos atuais contratos. Ou seja, como já foi dito por uma autoridade no passado recente, “tem que manter isso aí, viu?”.

A questão é que o país não pode esperar nem mais um minuto para encarar o problema representado pelo déficit no saneamento básico. Os municípios precisam dar seu grito de independência e buscar o protagonismo no processo de concessão desses serviços, por meio de licitações públicas abertas à participação da iniciativa privada. Não se trata de demonizar as estatais na área, até porque há casos de sucesso entre elas. Entretanto, a história tem revelado que a ausência de concorrência é uma das principais causas para a ineficácia na prestação de serviços à população.

Porém, não basta a abertura desse mercado. Trata-se de uma condição necessária, mas insuficiente. Em complemento, é indispensável que nos futuros contratos de concessão sejam estabelecidas metas claras de curto, médio e longo prazos, cuja execução precisará ser verificada por meio de um monitoramento sistemático realizado pelo poder concedente. E nos casos em que ficar comprovado o não cumprimento, rompe-se o contrato e abre-se nova licitação.

Outro aspecto relevante desse grave problema é o comportamento da sociedade. A exemplo do que ocorre com a educação, a maioria das pessoas afirma ver o saneamento básico como uma prioridade que o poder público deveria abraçar. Lamentavelmente, não se verifica isso na prática, já que convivemos, quase passivamente, com a infinidade de esgotos a céu aberto Brasil afora e o constante despejo de lixo nos mares, rios e lagoas.

Ainda assim, mantenho a esperança de avançarmos na conscientização e na mobilização da sociedade para conseguirmos resolver definitivamente esse enorme passivo, condição imprescindível para o salto de desenvolvimento que nosso país precisa experimentar.

Orlando Thomé Cordeiro é consultor em estratégia        

Artigo publicado no jornal Correio Braziliense em 09/08/2019

https://www.correiobraziliense.com.br/

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